Não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia. (Hebreus 10.25)

 

No Brasil, observa-se um fenômeno intrigante representado pelo crescimento do número de pessoas que se declaram evangélicas em paralelo aos que se denominam “desigrejados”. Estes últimos, embora se identifiquem com a fé evangélica, escolhem não manter vínculos formais com nenhuma denominação cristã. Ao mesmo tempo há um aumento, muito pouco discutido, mas real e preocupante dos brasileiros que se declaram sem religião, grupo que dialoga, ainda que de forma distinta, com a questão dos desigrejados.

Os números corroboram essa tendência de forma contundente. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010 a parcela da população brasileira que se declara sem religião era de 8%  e uma pesquisa publicada pelo Datafolha indica que houve um aumento em 2022 para 14%. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse número é ainda mais expressivo, chegando a 25% da população brasileira. 

Em pesquisa do Datafolha realizada na cidade de São Paulo que tem uma população de 23% de evangélicos,  em 2024, 5% desse grupo já se manifestam como desigrejados, ou seja, pessoas que mantém sua fé evangélica, mas que não frequentam nenhuma igreja, sendo que desse grupo 12% são jovens entre 16 e 24 anos. Esses dados, embora parciais, indicam a relevância e o crescimento constante desse grupo dentro do cenário evangélico.

Os números ainda não são alarmantes, mas já chamam a atenção posto que há um aumento constante especialmente entre a população mais jovem o que redundará em alguns anos em uma modificação relevante do panorama da religiosidade da população em alguns anos, caso não haja uma modificação dessa tendência.

As estatísticas sobre o envolvimento religioso dos jovens nos Estados Unidos são particularmente alarmantes. De acordo com o Public Religion Research Institute (PRRI) a proporção de americanos de 18 a 29 anos (que inclui grande parte da Geração Z) que se identificam como religiosamente não afiliados cresceu de 32% em 2013 para 38% em 2024. Embora essa categoria abranja ateus e agnósticos, uma parcela considerável desses indivíduos tem raízes em tradições evangélicas, mas optou por se afastar da participação ativa em igrejas. Um estudo anterior do Pew Research Center de 2019 revelou que apenas 34% dos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) nos EUA frequentavam serviços religiosos semanalmente, contrastando com os 51% da geração Baby Boomer na mesma faixa etária. Esses dados sugerem uma desconexão geracional crescente com a igreja institucionalizada entre os jovens americanos, um paralelo notável com a situação observada no Brasil.

Quando se delimita a alguma igreja Cristã, o Instituto Gallup divulgou pesquisa em 2025 informando que nos EUA, a porcentagem que se identifica com uma religião cristã cai para menos de 60% na Geração Z (54%) e nos Millennials (58%).

Esse cenário mostra a importância de se compreender as possíveis causas que impulsionam o fenômeno dos desigrejados  e dos que se tornaram ateus ou agnósticos. Alguns fatores podem explicar essa situação:

1. Desilusão com a Instituição Igreja: Críticas à gestão financeira, escândalos envolvendo líderes religiosos, disputas de poder e a percepção de hipocrisia dentro das comunidades podem levar fiéis a se afastarem. 

As organizações de que fizeram parte são, em sua maioria, simulacros da igreja, mas são tudo que eles conhecem como igreja e por não saberem que a verdadeira noiva de Cristo não se comporta desse modo, acreditam que todos são iguais ou são dominadores de seu rebanho (1 Pedro 5.1-3) ou são lobos vorazes (Atos 20.29) ou são embusteiros da fé (2 Coríntios 11.13-15).

2. Falta de Relevância: Alguns indivíduos podem sentir que as mensagens pregadas não se encaixam nas necessidades e desafios cotidianos. 

Muitas vezes para enfrentar esse aspecto, igrejas estão adotando o modelo “emergente” que parece ser uma boa ideia, mas no final é um grande veneno pior do que a doença na medida em que busca atender ao ser humano em suas necessidades pós-modernas, desconstruindo doutrinas, valores e costumes da igreja cristã. É um movimento que se firma não na Bíblia, mas no pragmatismo (vamos fazer o que funciona) e no hedonismo (vamos dar ao povo o que lhe dê prazer).

A Bíblia contém tudo que é preciso para atender as necessidades e desafios do dia a dia, não havendo necessidade de adotar metodologias humanistas para atrair o público, especialmente o jovem.

A verdade é que a igreja ao agir assim não crê que o Evangelho é poderoso para transformar vidas (Romanos 1.16), nem que o Espírito Santo age no ser humano convencendo-o do pecado, da justiça e do juízo (João 16.8). 

O fato é que as pessoas precisam de mais Bíblia e não de menos Bíblia.

3. Experiências Negativas: Vivências traumáticas dentro da igreja, como conflitos interpessoais, exclusão, legalismo excessivo, podem gerar feridas profundas e levar ao abandono da comunidade. A busca por cura e um ambiente mais saudável espiritualmente pode motivar a decisão de abandonar a congregação.

A adoção, por algumas igrejas, de práticas rígidas estabelecidas nos usos e costumes, sem fundamentação na bíblia (Mateus 7.7), criando um ambiente repressivo em que há um sistema de controle total das vidas de seus membros, com ameaças de maldições em caso de desobediência dos líderes tem afastado muitas pessoas. A igreja deve ser um ambiente de amor (João 13.35), o que não se confunde com um local onde tudo é permitido.  

Desde o início do cristianismo, a igreja tem enfrentado o desafio de não se fechar em grupinhos impenetráveis que se rivalizam, como na igreja de Corinto, onde uns diziam ser de Paulo, outros de Apolo, outros de Pedro e alguns de Cristo (1 Coríntios 1.10-13). É natural que as pessoas se aproximem daquelas com quem tem mais identificação, mas não é possível que seja uma “panela fechada”, nem que seja um grupo que venha a se rivalizar com outros grupos dentro da igreja, nas palavras de Paulo “devorando-se uns aos outros” (Gálatas 5.13-15).

4. Aversão à Disciplina e Busca por Autonomia: Uma outra motivação, frequentemente levantada em discussões sobre os desigrejados, reside na resistência à submissão à disciplina eclesiástica. Para alguns, a decisão de não se vincular a uma igreja local é impulsionada pelo desejo de viver suas vidas sem as "amarras" ou os compromissos que a membresia formal implica. Essa perspectiva valoriza a autonomia individual e a liberdade de conduzir a vida segundo suas próprias convicções, sem a supervisão ou as expectativas da comunidade religiosa. Indivíduos com essa motivação podem perceber a disciplina eclesiástica como uma forma de controle ou restrição à sua liberdade pessoal. Eles podem priorizar uma vivência da fé mais individualizada e menos sujeita às normas e regulamentos de uma instituição.

A disciplina eclesiástica foi estabelecida por Jesus (Mateus 18.15-22) e corroborada nos escritos neotestamentários (1 Coríntios 5.1-13). Ela visa, entre outras coisas, proteger a pureza moral e a integridade doutrinária da igreja e restaurar o crente. A igreja não deve omitir-se em aplicar a disciplina, obviamente com amor e moderação, não se curvando a uma visão profundamente antropocêntrica, onde para conservar seus membros deve fazer todas as concessões possíveis e imagináveis. Se o membro for realmente convertido, se submeterá à disciplina (Hebreus 13.17).

5. Impacto do Liberalismo Teológico: Em um espectro teológico, o avanço do liberalismo teológico em algumas denominações têm sido apontado como um fator de declínio da frequência e do engajamento, como ocorreu na Europa que abraçou essa abordagem e hoje pode-se dizer que é um continente pós-cristão. Ao relativizar doutrinas centrais da fé cristã e adotar uma postura mais flexível em relação a questões morais e bíblicas, as igrejas perdem sua identidade distintiva e a capacidade de oferecer respostas claras e firmes aos anseios espirituais de seus membros, levando alguns a buscar comunidades ou formas de fé que considerem mais alinhadas com suas convicções. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil, sendo observado em diversos contextos ao redor do mundo.

6. O Fenômeno das Teologias "Coach": Por outro lado, observa-se o crescimento de igrejas que adotam abordagens com forte influência de "teologias coach" ou do "evangelho da prosperidade". Inicialmente, essas mensagens podem atrair um grande número de pessoas com promessas de sucesso financeiro, cura e soluções rápidas para problemas pessoais (2 Timóteo 4.3). 

As vítimas dessas organizações que prometem o céu na terra, com prosperidade absoluta, uma vida sem problemas, saúde total, vitória em todas as áreas da vida e como isso não acontece a pessoa fica revoltada, especialmente pelo fato de as promessas estarem ligadas a uma contribuição financeira mais do que generosa. No entanto, a superficialidade teológica, a falta de ênfase no discipulado genuíno e a frustração diante de expectativas não atendidas podem levar a um desencanto e eventual afastamento desses indivíduos. A ausência de uma base bíblica sólida e a centralização no indivíduo em detrimento da centralidade de Cristo contribuem para o aumento do quantitativo das pessoas que ou se tornam desigrejados ou deixam de acreditar em Deus.

7. O argumento de que não precisam da igreja para se ligar a Deus: Dos que se tornam desigrejados odiando a igreja, normalmente se ouvem críticas do tipo “Jesus não fundou nenhuma igreja institucional”, “eu sou a igreja”, “não preciso de igreja para me ligar a Deus” etc. Para eles, é um absurdo a igreja reunir-se em um prédio especificamente construído para esse fim, bem como não há necessidade da existência de uma declaração de fé (credo) ou de um corpo ministerial composto por pastores, diáconos etc.

É certo que Jesus não fundou nenhuma igreja do ponto de vista denominacional (batista, presbiteriana, congregacional etc.), mas a igreja de Jesus foi estabelecida por ele e organizou-se de maneira “institucional” desde os primórdios.

Não se nega o fato de que a igreja é a comunidade dos salvos em Jesus Cristo, independentemente de estar reunida em um prédio destinado a esse fim ou não, porém a igreja sempre se reuniu em algum lugar para celebração dos cultos, sempre houve ajuntamento de pessoas (Atos 2.42, 5.42, 20.7, Colossenses 4.15) e em um ambiente de perseguição, como foi o dos primeiros séculos, era impossível aos cristãos reunirem-se em prédios com conhecimento público para esse fim. É certo que a reunião da igreja em um ambiente destinado a esse fim, ao qual por uma questão cultural é chamado equivocadamente de “igreja” ou “templo” não constitui nenhum problema, muito pelo contrário é uma questão de lógica, comodidade e estratégia e devemos ser gratos a Deus por gozarmos de paz para (ainda) podermos fazer isso no nosso país, não havendo nenhuma linha na Bíblia condenando essa prática.

O Novo Testamento está repleto de declarações doutrinárias dos limites da fé, não havendo nenhum problema em a igreja local colocá-las de forma sistematizada para estabelecer os parâmetros a serem seguidos, nem denominá-las “declaração de fé” ou “credo”.

A igreja primitiva estabeleceu em sua organização vários ofícios, como por exemplo, lemos nas páginas do Novo Testamento que pessoas eram designadas para o diaconato (1 Timóteo 3.8-13, Atos 6.1-5) e para o pastorado (Efésios 4.11). Em outras passagens há referências à existência de supervisores (bispos) e presbíteros (anciãos), que também exerciam o pastorado da igreja local.  Não é o caso, neste artigo, de adentrar na questão se esses termos são novos ofícios ou referem-se ao ofício ou ministério pastoral, com outro nome. O que importa é que havia supervisores com autoridade sobre o corpo local, o que é impossível se a pessoa for um desigrejado.

Uma das citações mais usadas por pessoas que querem abandonar a igreja é a que menciona a presença de Jesus onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome (Mateus 18.20). Essa passagem encontra-se dentro de um contexto de disciplina eclesiástica, o que somente pode ser feito dentro de uma comunidade de fé ou igreja organizada e nunca por grupos difusos ou individualmente.

Somente com a vida em comunidade é possível atender aos princípios estabelecidos por Deus, sendo os argumentos usados pelos desigrejados profundamente fracos do ponto de vista bíblico. Entendo as frustrações e motivações que levam uma pessoa a se tornar desigrejado, mas ser igreja é viver em uma comunidade de fé, ensinando e aprendendo com a comunhão com os irmãos.

Em suma, o fenômeno dos desigrejados no cenário evangélico brasileiro é multifacetado e reflete uma complexa interação entre fatores institucionais, sociais e individuais, incluindo a questão da aversão à disciplina eclesiástica e a busca por autonomia, como demonstram os números crescentes tanto de pessoas sem religião quanto de evangélicos sem vínculo institucional. Compreender as nuances desse movimento é crucial para que as próprias igrejas possam refletir sobre suas práticas, buscando formas de oferecer um ambiente mais relevante, acolhedor e autêntico para seus membros, evitando assim o êxodo silencioso daqueles que, apesar de manterem sua fé, não encontram mais na estrutura eclesiástica o espaço para vivenciá-la plenamente. A crescente parcela de brasileiros sem religião também lança um alerta para a necessidade de um diálogo mais profundo e significativo sobre o papel da fé e da espiritualidade na sociedade contemporânea.

Diante do fenômeno dos desigrejados, um dos grandes desafios para a igreja reside em evitar a tentação de adotar posturas meramente mercadológicas ou de adequação acrítica aos valores mutáveis da sociedade, com o objetivo de atrair de volta esse público em êxodo. Ceder a essa pressão pode levar a igreja a se afastar dos valores e princípios bíblicos fundamentais, diluindo sua identidade essencial. Ao fazê-lo, a igreja corre o risco de deixar de ser um corpo genuíno de Cristo, transformando-se em uma organização social com uma roupagem religiosa, incapaz de oferecer a transformação espiritual e o discipulado autêntico que muitos desigrejados buscam, mesmo que inconscientemente. A verdadeira resposta para o fenômeno reside em um retorno à centralidade do Evangelho, à pregação fiel da Palavra de Deus e à prática de uma comunidade acolhedora e genuína, fundamentada nos ensinamentos bíblicos, oferecendo assim um contraste relevante com os valores efêmeros do mundo.

É preciso compreender que essas pessoas necessitam ser amadas pela igreja que deve entender que suas feridas são reais, suas dores e decepções são sinceras e justificadas. A igreja (verdadeira) de Cristo deve demonstrar com atitudes concretas que nada tem a ver com esses abusos e deve ser paciente, confiando que o Espírito Santo fará a obra no coração de cada escolhido.

A igreja é um corpo local de pessoas redimidas por Jesus, mas ainda pecadoras, cheias de defeitos, pelo que não se deve propagar a ilusão de que ao ingressar em uma igreja, por mais séria que seja, não haverá problemas a serem resolvidos.

A Igreja Batista Memorial tem procurado seguir os padrões estabelecidos pela Bíblia, não negociando seus princípios e valores, buscando tornar-se uma comunidade de fé baseada em Jesus, sua Palavra, seu amor e dedicação ao serviço de Deus, não é perfeita, mas luta pela propagação do Evangelho e pela santificação de seus membros todos os dias até a volta do Rei.

 

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